TEMÁTICAS
PARA A OLIMPÍADA DE GEOGRAFIA
Edição
141/Dezembro de 2011 29/11/2011
O que fazer quando acaba a madeira
Paragominas, no Pará, foi pioneira dos piores cenários amazônicos: destruição da floresta, violência rural, império da ilegalidade. Mas agora é modelo de desenvolvimento sustentável
São
38 anos explorando madeira na Amazônia. E seu Manoel se lembra do
tempo em que não sabia o que estava fazendo. Começou moço, como
operador de máquinas pesadas, no início dos anos 1970. Naquela
época, o governo federal incentivou a ocupação da região e sua
integração ao mercado doméstico. Manoel Barbosa, à frente de
tratores do tamanho de prédios, entrava na mata e dava às árvores
mais altas o destino que lhe convinha. “Caíam para o lado que eu
queria”, recorda. Rodou toda a região, sentindo sempre um gosto
amargo indecifrável quando jogava ao chão mais um cedro, ipê ou
mogno. Até que, no início dos anos 1990, foi trabalhar para uma
organização não governamental sediada em Paragominas, no nordeste
do Pará. Ali, se deu conta do que estava fazendo.
Agora
seu Manoel está à beira de uma estrada de terra que ele mesmo
ajudou a abrir em uma propriedade particular localizada em
Paragominas, cidade que já foi considerada a síntese da destruição
da floresta e hoje é modelo de desenvolvimento sustentável para os
municípios da Amazônia. Rodeado pela mata, veste o uniforme da
organização especializada em manejo florestal para a qual trabalha:
calça verde, camisa laranja de mangas compridas, botas de cano longo
e capacete. À sua direita, uma árvore de uns 15 metros de altura
chama a atenção. Não pelo tamanho, mas pela grande marca no
tronco, uma lasca arrancada do chão até uns 3 metros acima. “Eu
que fiz isso”, assume. “Vim abrir caminho com o trator e
arranquei uma ponta da raiz.” Foi um acidente. Extensa e profunda,
a raiz partida reagiu feito elástico esticado, ricocheteou na
própria árvore e arrancou a lasca do tronco. Não chegou a ameaçar
fisicamente o motorista do trator, mas ele acusou o golpe: “Doeu em
mim”.
A
nova consciência na relação com os recursos naturais não chegou
apenas a seu Manoel. Quem vai hoje a Paragominas depara com uma
cidade limpa e bem cuidada – cenário incomum no interior da região
Norte. Na zona central, carros novos circulam pelo asfalto impecável,
os motoristas não precisam de semáforo para dar passagem aos
pedestres nas faixas e os moradores podem relaxar no parque ambiental
após a jornada de trabalho. Nas praças, o calor é amenizado pela
sombra das árvores, adornadas de canteiros floridos. “As flores
eram roubadas toda semana”, conta o atual prefeito, Adnan Demachki,
“mas insistimos e as pessoas entenderam que aquilo já pertencia a
elas.” A educação no trânsito foi mais objetiva. Desde o fim de
2007, multas são aplicadas a quem não para na faixa (São Paulo, a
cidade mais rica do país, empregou a mesma regra em agosto de 2011).
Paragominas
era uma cidade decadente em 1994, quando a ONG Tropical Forest
Foundation criou uma subsidiária na Amazônia (mais tarde, o nome
seria mudado para Instituto Floresta Tropical, abreviado para IFT). A
área urbana inspirava abandono e visitantes eram vistos com
desconfiança. Na zona rural, marcada pelo desmatamento ilegal, eram
comuns assassinatos e ameaças, disputas por posse da terra e
trabalho escravo – não por acaso, o lugar recebeu o apelido de
“Paragobalas”. Durante o período de seca, de tão constantes os
incêndios, ficava difícil até respirar. “Os olhos ardiam e a
nuvem de fumaça criava problemas para os pilotos de avião”,
recorda-se Demachki. Mas a escolha do IFT não foi um acaso: o centro
de estudos, localizado em uma fazenda da madeireira Cikel, está ali
porque, nos anos 1980, Paragominas havia sido o principal polo
madeireiro do mundo tropical e concentrava o maior número de
serrarias do planeta.
Muito
dinheiro circulava. Baseada na exploração predatória de madeira, a
atividade econômica promoveu rápido crescimento. “Esse foi o
modelo em muitos municípios da região”, explica Beto Veríssimo,
do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “O
problema é que, com o tempo, a madeira acaba e a terra passa a ser
utilizada para a agropecuária, que não mantém a mesma geração de
renda e empregos.”
A
floresta também pagou o preço. Quase 9 mil quilômetros quadrados
de mata foram perdidos. Ainda assim, com 20 mil quilômetros
quadrados de área (pouco menor que Sergipe), o município conta com
um remanescente florestal considerável: 66% de seu território. Em
um sobrevoo, o tapete formado pela copa das árvores engana. “Não
é floresta intocada, mas uma mata da qual foi retirada boa parte das
árvores com valor comercial”, explica Fábio Niedermeier, da
organização The Nature Conservancy (TNC), contratada pelo Sindicato
dos Produtores Rurais para elaborar um diagnóstico ambiental das
propriedades.
Os
excessos do passado culminaram na entrada de Paragominas, em janeiro
de 2008, na lista negra de municípios que mais desmatam a Amazônia,
emitida pelo Ministério do Meio Ambiente. As portas se fecharam para
fazendeiros e empresários, que passaram a não ter acesso às linhas
de crédito. Naquele mesmo ano, em fevereiro, Demachki convocou as
lideranças locais para firmar um pacto pelo desmatamento zero. No
mês seguinte, em março, uma ação conjunta da Polícia Federal, da
Força Nacional de Segurança Pública e do Ibama (o órgão
responsável pela execução da política nacional do meio ambiente
na época) aconteceu na cidade. Chamada de Arco de Fogo, resultou em
apreensão de toras, prisões e fechamento de serrarias ilegais.
Em
novembro, outra operação, agora da Polícia Militar em parceria com
o Ibama, intitulada de Rastro Negro, pôs fim a 120 fornos de carvão
irregulares, além de apreender caminhões com toras sem origem.
Inconformadas, aos gritos de “Eles se preocupam com árvore, mas
não com gente!”, centenas de pessoas ligadas a essas atividades
incendiaram o escritório local do Ibama. As cenas correram mundo, e
o ministro do Meio Ambiente na época, Carlos Minc, convocou Demachki
às pressas para uma reunião em Brasília.
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